A Importância do Desenho na Pré-Escola
Ensinar a turma a desenhar exige oferecer contato permanente com a produção artística de diferentes lugares e épocas para ampliar o olhar
INTRODUÇÃO
Crianças em idade pré-escolar adoram desenhar. Traçam círculos imaginários com canudinhos, usam o dedo para rabiscar o vidro embaçado do carro, fazem cenários na areia. Quando têm acesso ao lápis, então, é uma festa. O desenho é uma das formas de expressar o que sentem e pensam sobre si mesmas e o mundo. "Elas passam a entender melhor suas emoções e a mostrar sua interpretação dos valores, conceitos e normas da sociedade, bem como expressar carinho pelos amigos e familiares", diz a psicopedagoga Mônica Cintrão, da Universidade Paulista (Unip), em São Paulo. Além disso, descobrem que é possível inventar e fantasiar. "Qualquer um pode criar um super-herói", completa Paulo Cheida Sans, professor da Faculdade de Artes Visuais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, no interior paulista.
Mas é possível ensinar a desenhar? Desde o século 19, duas escolas se alternaram no dia-a-dia: a tradicional, segundo a qual as crianças devem copiar modelos, e a renovada, que defende que eles não precisam de orientação. Hoje, o modelo contemporâneo propõe que o melhor é instigá-los a criar partindo do conhecimento do mundo da arte e da cultura visual. É o que os especialistas chamam de "desenho cultivado". No livro O Desenho Cultivado da Criança: Prática e Formação de Educadores, Rosa Iavelberg, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), comenta essas mudanças.
Segundo ela, a escola tradicional pregava que, por não saber desenhar, as crianças precisavam treinar habilidades e cópia para chegar ao referencial de imagens figurativas, cada vez mais próximas da realidade e dos modelos da arte adulta. Nessa época, só havia espaço para a reprodução técnica, marcada pela impessoalidade dos aprendizes, que imitavam formas externas e preconcebidas. Imagens de bichos e objetos também eram apresentadas como atalhos para o ensino de números: a haste de um guarda-chuva virava o 1, a curva do pescoço de um cisne transformava-se no 2. Essas propostas acabaram superadas porque impunham um ponto de vista adulto sobre a aprendizagem sem levar em conta o saber da criança.
DESENHO ESPONTÂNEO
Já a escola renovada do século 20, cujos principais estudiosos foram o francês Georges-Henri Luquet, o austríaco Viktor Lowenfeld e a norte-americana Rhoda Kellogg, via na produção infantil uma forma de entender o desenvolvimento psicológico. Assim, passou-se a valorizar o chamado desenho espontâneo, no qual o professor não podia intervir - bastava criar as condições adequadas para cada um se expressar. Coinfluenciado pelas idéias de Jean Piaget, Luquet defendeu, em 1913, que as crianças têm um "modelo interno" e por isso não copiam os objetos da maneira pela qual os percebe, mas transfigura-os com base nas próprias referências. Lowenfeld segue na mesma linha em Desenvolvimento da Capacidade Criadora, livro de 1947: "O desenho, a pintura ou a construção constituem processos complexos, nos quais a criança reúne diversos elementos de sua experiência para formar um conjunto com um novo significado". Segundo ele, o educador teria a função de ampliar a sensibilidade e aguçar os sentidos da garotada, já que "o homem aprende através dos sentidos".
Na segunda metade do século 20, Rhoda Kellogg pesquisou mais de 300 mil desenhos infantis. Entre outras coisas, descobriu que há muitas representações parecidas de casas, árvores e seres humanos. Para ela, essa constatação é um indício de que o impulso criativo é uma herança comum a toda a humanidade, não restrita a uma cultura ou um país. Rhoda defendeu que a criança é autodidata e que, se não houver interferência inadequada do adulto, vai chegar, desenhando, ao estágio final de crescimento emotivo, intelectual e espiritual. Outro importante legado dessa fase é que o desenho evolui com a idade, das formas mais simples (os rabiscos conhecidos como garatujas) para as mais complexas.
SUBJETIVIDADE E CULTURA
Os trabalhos da escola renovada foram essenciais para acabar com a cópia pura e simples, mas deram margem a uma interpretação antagônica: se as crianças precisam expressar o que vem de "dentro" e, com a idade, traçam formas mais complexas, basta deixá-las desenharem. Essa visão se mostrou incompleta, entre outras coisas, porque constatou-se que, no Ensino Fundamental, muitos alunos paravam de produzir por falta de intervenção do professor. O ponto de equilíbrio veio com a escola contemporânea, nos anos 1980. Essa corrente argumenta que não se deve descartar o processo interno de cada um, mas é essencial aliar a subjetividade à cultura. A expressão "desenho cultivado" foi criada por Rosa Iavelberg em 1993. Ela diz que é preciso oferecer elementos culturais de modo que o acesso a clássicos da história da arte universal, à cultura visual e a diferentes técnicas e materiais possibilite que todos se expressem com mais "saber desenhista".
Se a marca da escola tradicional era a reprodução, e a da renovada, a espontaneidade, o modelo atual privilegia a reflexão e a recriação. Quando a criança quer traçar uma flor, será influenciada naturalmente pelas formas de flores que ela já viu (ao vivo ou em obras de arte). Observa-se aí uma grande diferença das tendências tradicional e renovada. Em vez de elaborar aquela imagem clássica das pétalas em forma de coração (tradicional) ou traçar linhas que em nada remetam ao objeto original (renovada), na escola contemporânea a flor é influenciada por vários modelos prontos, mas com liberdade de expressão.
MUDANÇA DE CONCEITOS
A postura do professor também muda. Se na tradicional o papel era pedir a cópia, e na renovada, abrir espaço para o desenho livre, agora é fundamental garantir que a turma aprenda sobre o desenho e também tenha espaço para escolher o que fazer. O principal ensinamento é que devemos ter uma visão mais ampla do que é arte visual, para além de telas e desenhos no papel. Fotos, outdoors, esculturas, instalações, objetos do cotidiano e histórias em quadrinho são parte da cultura visual e merecem ser trabalhados em sala. Você pode ainda levar rótulos de embalagens, chamar a atenção para a marca das roupas, dos tênis e das mochilas e montar um espaço para gibis, revistas e catálogos. Fora dos muros escolares, uma boa pedida é ver o estilo de numeração das casas.
Outra reorientação conceitual se dá na forma de apresentar os artistas. Ao falar de Alfredo Volpi, por exemplo, é mais importante ater-se à exploração da imagem, mergulhar em suas formas e cores e passar informações relevantes, como a de que ele foi um pintor de paredes. Só fazer com que a meninada reproduza suas telas cheias de bandeirinhas não acrescenta nada à aprendizagem.
A EVOLUÇÃO DO TRABALHO
Assim como não é recomendável apresentar obras de arte com base na estética do bonito ou feio, não é papel da escola avaliar os desenhos o mesmo esse critério. "Esse tipo de avaliação pode causar uma inibição difícil de reverter", diz o professor Cheida Sans. A melhor forma de acompanhar os avanços é evitar comparações e apenas observar o percurso de cada um e suas progressões. Sim, as crianças podem (e devem) evoluir no dia-a-dia, com a supervisão do professor(acompanhe nos quadros desta reportagem duas experiências bem-sucedidas com desenho na pré-escola, uma em Belo Horizonte e outra em Salvador).
Bons caminhos para fazer a turma evoluir incluem planejar atividades que ajudem a desenvolver o olhar, como observar ambientes, fotos, imagens de computador e histórias em quadrinhos; promover conversas sobre o fazer artístico; apresentar artistas e suas obras e, claro, oferecer uma ampla gama de materiais (giz de cera grosso, massinha, pincel, revistas, jornais, catálogos de propaganda, tesoura sem ponta, cola em bastão) e suportes de diferentes tamanhos (papel craft, papel sulfite, panos, painéis, cartolina, tecido, areia, chão, parede).
Os especialistas dizem ainda que é recomendável fazer intervenções no papel: colar figuras ou iniciar traços, para todos completarem. Da mesma forma, o diálogo com outras artes ajuda muito. Dramatizar uma obra ou colocar uma música de época torna o clima mais propício ao desenvolvimento do grupo. Finalmente, é essencial ampliar o contato com obras de arte, seja em visitas a exposições (com objetivos claros, para o antes, o durante e o depois), seja em ateliês de artistas locais.
Se você tem crianças com deficiência na sala, algumas dicas podem ser úteis. Usar uma fruta para explicar uma natureza-morta para cego, por exemplo. Fazer maquetes em relevo com os elementos do quadro usando EVA, lixa ou tapete permite que todos sintam as texturas. "Inclusão não é ter a criança na classe e ponto. É preciso que suas necessidades de aprendizado sejam contempladas", diz a arte-educadora Amanda Fonseca Tojal, coordenadora do Programa Educativo Públicos Especiais da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
BIBLIOGRAFIA
Carla Soares Martin
INTRODUÇÃO
Crianças em idade pré-escolar adoram desenhar. Traçam círculos imaginários com canudinhos, usam o dedo para rabiscar o vidro embaçado do carro, fazem cenários na areia. Quando têm acesso ao lápis, então, é uma festa. O desenho é uma das formas de expressar o que sentem e pensam sobre si mesmas e o mundo. "Elas passam a entender melhor suas emoções e a mostrar sua interpretação dos valores, conceitos e normas da sociedade, bem como expressar carinho pelos amigos e familiares", diz a psicopedagoga Mônica Cintrão, da Universidade Paulista (Unip), em São Paulo. Além disso, descobrem que é possível inventar e fantasiar. "Qualquer um pode criar um super-herói", completa Paulo Cheida Sans, professor da Faculdade de Artes Visuais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, no interior paulista.
Mas é possível ensinar a desenhar? Desde o século 19, duas escolas se alternaram no dia-a-dia: a tradicional, segundo a qual as crianças devem copiar modelos, e a renovada, que defende que eles não precisam de orientação. Hoje, o modelo contemporâneo propõe que o melhor é instigá-los a criar partindo do conhecimento do mundo da arte e da cultura visual. É o que os especialistas chamam de "desenho cultivado". No livro O Desenho Cultivado da Criança: Prática e Formação de Educadores, Rosa Iavelberg, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), comenta essas mudanças.
Segundo ela, a escola tradicional pregava que, por não saber desenhar, as crianças precisavam treinar habilidades e cópia para chegar ao referencial de imagens figurativas, cada vez mais próximas da realidade e dos modelos da arte adulta. Nessa época, só havia espaço para a reprodução técnica, marcada pela impessoalidade dos aprendizes, que imitavam formas externas e preconcebidas. Imagens de bichos e objetos também eram apresentadas como atalhos para o ensino de números: a haste de um guarda-chuva virava o 1, a curva do pescoço de um cisne transformava-se no 2. Essas propostas acabaram superadas porque impunham um ponto de vista adulto sobre a aprendizagem sem levar em conta o saber da criança.
DESENHO ESPONTÂNEO
Já a escola renovada do século 20, cujos principais estudiosos foram o francês Georges-Henri Luquet, o austríaco Viktor Lowenfeld e a norte-americana Rhoda Kellogg, via na produção infantil uma forma de entender o desenvolvimento psicológico. Assim, passou-se a valorizar o chamado desenho espontâneo, no qual o professor não podia intervir - bastava criar as condições adequadas para cada um se expressar. Coinfluenciado pelas idéias de Jean Piaget, Luquet defendeu, em 1913, que as crianças têm um "modelo interno" e por isso não copiam os objetos da maneira pela qual os percebe, mas transfigura-os com base nas próprias referências. Lowenfeld segue na mesma linha em Desenvolvimento da Capacidade Criadora, livro de 1947: "O desenho, a pintura ou a construção constituem processos complexos, nos quais a criança reúne diversos elementos de sua experiência para formar um conjunto com um novo significado". Segundo ele, o educador teria a função de ampliar a sensibilidade e aguçar os sentidos da garotada, já que "o homem aprende através dos sentidos".
Na segunda metade do século 20, Rhoda Kellogg pesquisou mais de 300 mil desenhos infantis. Entre outras coisas, descobriu que há muitas representações parecidas de casas, árvores e seres humanos. Para ela, essa constatação é um indício de que o impulso criativo é uma herança comum a toda a humanidade, não restrita a uma cultura ou um país. Rhoda defendeu que a criança é autodidata e que, se não houver interferência inadequada do adulto, vai chegar, desenhando, ao estágio final de crescimento emotivo, intelectual e espiritual. Outro importante legado dessa fase é que o desenho evolui com a idade, das formas mais simples (os rabiscos conhecidos como garatujas) para as mais complexas.
SUBJETIVIDADE E CULTURA
Os trabalhos da escola renovada foram essenciais para acabar com a cópia pura e simples, mas deram margem a uma interpretação antagônica: se as crianças precisam expressar o que vem de "dentro" e, com a idade, traçam formas mais complexas, basta deixá-las desenharem. Essa visão se mostrou incompleta, entre outras coisas, porque constatou-se que, no Ensino Fundamental, muitos alunos paravam de produzir por falta de intervenção do professor. O ponto de equilíbrio veio com a escola contemporânea, nos anos 1980. Essa corrente argumenta que não se deve descartar o processo interno de cada um, mas é essencial aliar a subjetividade à cultura. A expressão "desenho cultivado" foi criada por Rosa Iavelberg em 1993. Ela diz que é preciso oferecer elementos culturais de modo que o acesso a clássicos da história da arte universal, à cultura visual e a diferentes técnicas e materiais possibilite que todos se expressem com mais "saber desenhista".
Se a marca da escola tradicional era a reprodução, e a da renovada, a espontaneidade, o modelo atual privilegia a reflexão e a recriação. Quando a criança quer traçar uma flor, será influenciada naturalmente pelas formas de flores que ela já viu (ao vivo ou em obras de arte). Observa-se aí uma grande diferença das tendências tradicional e renovada. Em vez de elaborar aquela imagem clássica das pétalas em forma de coração (tradicional) ou traçar linhas que em nada remetam ao objeto original (renovada), na escola contemporânea a flor é influenciada por vários modelos prontos, mas com liberdade de expressão.
MUDANÇA DE CONCEITOS
A postura do professor também muda. Se na tradicional o papel era pedir a cópia, e na renovada, abrir espaço para o desenho livre, agora é fundamental garantir que a turma aprenda sobre o desenho e também tenha espaço para escolher o que fazer. O principal ensinamento é que devemos ter uma visão mais ampla do que é arte visual, para além de telas e desenhos no papel. Fotos, outdoors, esculturas, instalações, objetos do cotidiano e histórias em quadrinho são parte da cultura visual e merecem ser trabalhados em sala. Você pode ainda levar rótulos de embalagens, chamar a atenção para a marca das roupas, dos tênis e das mochilas e montar um espaço para gibis, revistas e catálogos. Fora dos muros escolares, uma boa pedida é ver o estilo de numeração das casas.
Outra reorientação conceitual se dá na forma de apresentar os artistas. Ao falar de Alfredo Volpi, por exemplo, é mais importante ater-se à exploração da imagem, mergulhar em suas formas e cores e passar informações relevantes, como a de que ele foi um pintor de paredes. Só fazer com que a meninada reproduza suas telas cheias de bandeirinhas não acrescenta nada à aprendizagem.
A EVOLUÇÃO DO TRABALHO
Assim como não é recomendável apresentar obras de arte com base na estética do bonito ou feio, não é papel da escola avaliar os desenhos o mesmo esse critério. "Esse tipo de avaliação pode causar uma inibição difícil de reverter", diz o professor Cheida Sans. A melhor forma de acompanhar os avanços é evitar comparações e apenas observar o percurso de cada um e suas progressões. Sim, as crianças podem (e devem) evoluir no dia-a-dia, com a supervisão do professor(acompanhe nos quadros desta reportagem duas experiências bem-sucedidas com desenho na pré-escola, uma em Belo Horizonte e outra em Salvador).
Bons caminhos para fazer a turma evoluir incluem planejar atividades que ajudem a desenvolver o olhar, como observar ambientes, fotos, imagens de computador e histórias em quadrinhos; promover conversas sobre o fazer artístico; apresentar artistas e suas obras e, claro, oferecer uma ampla gama de materiais (giz de cera grosso, massinha, pincel, revistas, jornais, catálogos de propaganda, tesoura sem ponta, cola em bastão) e suportes de diferentes tamanhos (papel craft, papel sulfite, panos, painéis, cartolina, tecido, areia, chão, parede).
Os especialistas dizem ainda que é recomendável fazer intervenções no papel: colar figuras ou iniciar traços, para todos completarem. Da mesma forma, o diálogo com outras artes ajuda muito. Dramatizar uma obra ou colocar uma música de época torna o clima mais propício ao desenvolvimento do grupo. Finalmente, é essencial ampliar o contato com obras de arte, seja em visitas a exposições (com objetivos claros, para o antes, o durante e o depois), seja em ateliês de artistas locais.
Se você tem crianças com deficiência na sala, algumas dicas podem ser úteis. Usar uma fruta para explicar uma natureza-morta para cego, por exemplo. Fazer maquetes em relevo com os elementos do quadro usando EVA, lixa ou tapete permite que todos sintam as texturas. "Inclusão não é ter a criança na classe e ponto. É preciso que suas necessidades de aprendizado sejam contempladas", diz a arte-educadora Amanda Fonseca Tojal, coordenadora do Programa Educativo Públicos Especiais da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
BIBLIOGRAFIA
- O Desenho Cultivado da Criança: Prática e Formação de Educadores, Rosa Iavelberg, 112 págs., Ed. Zouk
- Desenvolvimento da Capacidade Criadora, Viktor Lowenfeld e W. Lambert Brittain, 440 págs., Ed. Mestre Jou
- Pedagogia do Desenho Infantil, Paulo Cheida Sans, 107 págs., Ed. Alínea
Fonte: Revista Nova Escola
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